entre aurora
e poente,
ocaso de um zênite
Um coração e apenas duas iniciais marcadas à unha num bambu cumprido. Parece-me que, quando se ama pela primeira vez, há a necessidade de mostrar o amor latente e ao mesmo tempo escondê-lo. E o paradoxo inscrito torna-se cicatrizado pela planta. Apesar de não ser privilégio dos bambus, os amantes deste parque parecem ver neles alguma preferência. Na sombra vazada do bambuzal, ninguém vê-los escrever. O bambu oco e suas folhas não fazem mais do que seguir o movimento imposto pela brisa da tarde que se estende. Nem ao menos se importam com os amores primários.
sombra se move
passeia, se encolhe –
o passar do dia
Onde estou não há silêncio. O que chamamos de silêncio aqui é um espírito interno que se alcança, mesmo com roncar das estradas pouco distantes. É o silêncio do fechar dos olhos. Aí, tão pouco, se consegue ouvir as estrelas. Certo, perdeste o senso! Diz-me a mesma voz que revela: não há silêncio onde estás, a menos que percas o senso… e quando recobro o pouco de senso que me resta, volto a ouvir a insistente noite estrelada que medita no horizonte, diante da platéia de janelas insones.
mantra da noite
no silêncio se ouve
grilos e sapos
Numa cidade costeira, ao sul da Ilha da Grã-Bretanha, Bournemouth, existe um caminho de árvores que não completa uma milha e que leva ao mar. Antigamente era o caminho usado por pescadores e, por isso, o batizaram de Fisherman’s walk. Senti o vento que soprava naquelas folhas quando o pequeno parque fez cem anos. Gostava de recarregar as energias olhando aquelas folhas que me contavam, com fidelidade, qual era a estação que atravessávamos – coloridas na primavera, verdes no verão, amarelas no outono e peladas no inverno. Eu o via como um lugar místico, por vezes fantasmagórico devido ao vento. De certa forma tão sagrado quanto longe de minha casa.
vento na copa
mil folhas brincam
de imitar o mar
contra o vendo
todos os cães correm,
donos caminham
arbusto se mexe
não é o vendo que brinca,
esquilo se esconde
nos bancos vazios
plaquinhas com nomes
de quem já viveu
ali de cima
o vento embaça
a vista do horizonte
ao norte do Atlântico
as ondas dissolvem-se –
a mil milhas, meu país